Lucas estava cansado de tudo. Já fazia meses que ele trabalhava como motorista de aplicativo, rodando de um lado para o outro, sempre com o mesmo peso nas costas: as contas não paravam de chegar, e o dinheiro mal dava para sobreviver. A sensação de estar preso, sem saída, parecia crescer a cada dia. “Será que é isso que a vida tem para mim?”, pensava enquanto dirigia pela cidade, o rádio tocando baixo, mas sua mente longe, perdida em preocupações.
Era uma tarde chuvosa, daquelas que deixam o dia mais cinza do que o normal. Enquanto esperava a próxima corrida, olhou para o celular e viu a mensagem de Clara, sua esposa: “Lucas, as contas tão atrasadas de novo. Precisamos conversar.” Aquilo pesou ainda mais no peito dele. Clara nunca reclamava, mas a realidade estava difícil. Ele sabia que, mais cedo ou mais tarde, precisaria encarar de frente a situação.
Uma notificação apareceu na tela: corrida longa, cruzando a cidade. Lucas aceitou na hora. Mais uma oportunidade de ganhar uns trocados. “Todo centavo conta”, pensou, resignado. Ao chegar no local combinado, avistou o passageiro: um homem engravatado, com um terno que claramente valia mais do que o carro que Lucas dirigia. Ele carregava uma maleta de couro e usava um relógio brilhante no pulso.
O homem entrou no carro sem nem olhar para Lucas, já preso em uma conversa pelo celular, falando alto sobre negócios, investimentos e lucros. Lucas sentiu um aperto no estômago. A diferença de mundos entre ele e o passageiro era gritante. Enquanto Lucas contava os centavos, aquele homem parecia nadar em dinheiro. O passageiro finalmente desligou o telefone e, sem olhar para Lucas, soltou um comentário:
— E aí, chefe? Correndo o dia inteiro nesse carro velho, né? Deve ser dureza. Mas é a vida de quem escolheu isso, né?
Aquele comentário fez o sangue de Lucas ferver. Ele respirou fundo, tentando não perder a compostura. Já estava acostumado a ouvir coisas assim. As pessoas sempre viam o carro e automaticamente julgavam quem estava ao volante. Mas, mesmo assim, aquilo doía. Ser tratado como se fosse menos, como se sua luta diária não valesse nada, era uma das coisas mais difíceis de engolir.
— É, a gente faz o que pode, né? — respondeu Lucas, sem tirar os olhos da estrada, tentando manter a calma.
O homem riu, um riso leve, mas cheio de desprezo.
— Sei como é… bom, na verdade, não sei. Nunca precisei dirigir pra sobreviver — disse, ajeitando o relógio no pulso. — Mas entendo que cada um tem sua realidade, né?
Lucas apertou o volante com força, mas se manteve em silêncio. Aquela situação era humilhante, mas ele precisava do dinheiro da corrida. Não podia se dar ao luxo de discutir com o cliente. No entanto, as palavras daquele homem ecoaram na cabeça de Lucas, enquanto a chuva fina batia no para-brisa.
A corrida foi longa e silenciosa depois daquele comentário, mas Lucas não conseguia parar de pensar. Ele sabia que estava preso em uma situação que não queria. Mas o que ele podia fazer? Já tinha tentado tantas coisas na vida, e nada parecia dar certo.
Quando finalmente chegaram ao destino, o homem saiu do carro e, antes de fechar a porta, disse:
— Boa sorte aí, amigo. Quem sabe um dia você também dá sorte na vida, né? — e riu de novo, antes de sumir no prédio luxuoso.
Lucas ficou ali, parado por alguns minutos, tentando engolir o que havia acabado de ouvir. Aquele riso, aquela arrogância… Era como se o cara tivesse jogado na cara dele que ele nunca sairia daquela situação. Aquilo mexeu com algo dentro de Lucas. Ele sabia que precisava mudar, que não podia aceitar mais aquilo, mas como? O que ele tinha de diferente das pessoas que conseguiam vencer na vida?
Naquela noite, quando chegou em casa, Clara o esperava com a mesma expressão preocupada de sempre.
— Lucas, a gente precisa conversar. As contas estão atrasadas de novo, e eu não sei o que fazer — disse ela, com a voz suave, mas carregada de preocupação.
Lucas olhou para Clara e, pela primeira vez em muito tempo, falou com firmeza:
— Clara, eu não sei como, mas eu vou dar um jeito. Não dá mais para viver assim, a gente precisa mudar isso.
Ela o olhou surpresa. Lucas sempre foi trabalhador, mas nos últimos tempos, parecia que ele tinha perdido a esperança. Agora, no entanto, havia algo diferente no jeito como ele falava.
— Você fala sério? — perguntou ela, um pouco desconfiada.
— Falo. Cansei de ser tratado como um ninguém, cansei de correr atrás e nunca sair do lugar. Eu não sei o que vou fazer ainda, mas eu vou mudar isso.
Naquela noite, Lucas mal conseguiu dormir. As palavras do passageiro rico e arrogante ainda ecoavam em sua cabeça, mas agora de um jeito diferente. Ao invés de se sentir derrotado, ele sentia uma raiva que estava se transformando em determinação. “Eu vou provar que ele estava errado”, pensava. Talvez fosse isso que faltava para ele: decidir que não ia mais aceitar aquela realidade…